sábado, 31 de janeiro de 2009

AUTOMÓVEIS

1.

São seres monstruosos, meio homens e meio cavalos.
.
Piritoo convidou os Centauros para a sua boda de casamento.
Os Centauros não estavam habituados a beber vinho.
(Se beber, não conduza!»)
Num instante ficaram embriagados.
Um deles, Eurito, tentou violar Hipodamia, noiva de Piritoo, provocando uma rixa
generalizada e um grande massacre de ambas as partes.
(Fonte: «Dicionário da Mitologia Grega e Romana»)

2.

É com o aparecimento da roda que a velocidade se torna irresistível e inexoravelmente volúvel.

3.

Argumento de venda do LEXUS IS:
«Objecto de Desejo»

«Na praia de Sídon, um touro tentava imitar um gorjeio amoroso.
Era Zeus.
Sentiu um arrepio, como quando os moscardos o importunavam.
Mas dessa vez era um arrepio de ternura.
Eros colocava-lhe na sua garupa a jovem Europa.
Depois o touro branco atirou-se à água, e o seu corpo imponente assomava apenas o
suficiente para que a jovem não se molhasse.
(...)
Entretanto, Europa não via fim daquela louca viagem.
Imaginava, porém, o seu destino, quando voltasse a encontrar terra.
E gritou uma mensagem aos ventos e as águas:
«Dizei a meu pai que Europa deixou a sua terra na garupa de um touro, meu raptor, meu marinheiro, e, suponho, meu futuro companheiro.
Dai, peço-vos, a minha mãe este colar».
Estava também para evocar Bóreas, para que este a levasse nas suas asas, como fizera com a sua esposa, a ateniense Oritia. Arrependeu-se, porém:
para quê passar de um raptor para outro?»

(Fonte: «As Núpcias de Cadmo e Harmonia»; CALASSO, Roberto; Ed. COTOVIA)





4.

Quando a segurança, o conforto e a estética se associaram à velocidade é que a ideia de carro se tornou verdadeiramente irresistível.
Por essa razão, o Grand Tour -- Indissociável do comboio -- viu reforçado o culto das viagens.

5.

Argumento de venda do LANCIA DELTA:
«O Poder de Ser Diferente»

Confrontando o potencial comprador com a felicidade da criança e a generosidade do Richard Gere, logo no Tibete -- No tecto do Mundo -- na neve (Fruto da época) só não seremos mais felizes -- Uma vez tão próximos dos deuses -- se não comprarmos o carro. Esperar, porque?

Argumento de venda do AUDI Q5:
«Tecnologia Perfeitamente Sincronizada.»

Respostas perfeitas.
No caso particular do AUDI Q5 a construção do spot publicitário na TV exalta o Homo Faber que, formando equipa, constrói -- Qual lego! -- um carro perfeito, insinuando um irrepreensível desempenho e remetendo o desejo de aquisição para o Homo Ludicus.

A promoção do Honda Civic era baseada num coro que, inexcedível no rigor e perfeição do carro, mimava o seu desempenho.
Cada elemento do coro, só por si, vale o que vale. Pouco! Mas integrado num grupo -- eis a réplica do Lego, a consagração da equipa -- assegura uma solução perfeita.


Quando o casal saiu para a estrada para experimentar
topo de gama acabado de comprar
foi rapidamente confrontado com um ruído
mínimo,
intermitente,
quase imperceptível,
porém,
persistente.

Contactado,
o vendedor ofereceu imediatamente a sua disponibilidade.

Voltaram à estrada.

Para surpresa do casal,
o vendedor pediu para ser levado a uma ourivesaria.
Uma vez lá chegados,
pediu à senhora o favor de
retirar os brincos.
Era indispensável reparar os apoios.

6.

O hedonismo é uma doutrina filosófica que afirma ser o prazer individual e imediato o supremo bem da vida humana.
A teoria socrática do bom e do útil, da prudência, etc., quando entendida pela índole voluptuoso de Aristipo, leva ao hedonismo, onde toda a bem-aventurança humana se resolve no prazer.
A ideia básica que está por de trás do hedonismo é que todas as acções podem ser medidas em relação ao prazer e à dor que produzem
O hedonismo moderno procura fundamentar-se numa concepção mais ampla de prazer entendida como felicidade para o maior número de pessoas.
Segundo a lei do interesse pessoal de Stuart Mill, cada indivíduo «Procura o bem e a riqueza e evita o mal e a miséria.»




«Claro que me preocupo com o CO2.
Para falar verdade, o que realmente me atormenta é o aquecimento global.
Um Verão inclemente...
Quem me garante a imunidade do meu ninho a um incêndio?

Quem me tirar o meu
Trabant, tirar-me-á tudo!»

19 comentários:

mdsol disse...

Um post tão desconcertante como interessante. Em suma: desafiador. Gostei
:)))

vieira calado disse...

Uma postagem preciosa.

Gostei muito.

Um abraço

Justine disse...

Aquela parte do hedonismo percebi muito bem, aceito e até defendo.E se possível pratico.
Só tenho uma perguntinha: não há argumentos de venda para, por exemplo, um Smart, ou sei lá, um Punto?Ou até um Toyota???
É que isto hoje está demasiado "filosófico" para mim:))

Teresa Durães disse...

tal como no meio selvagem, o Homem tenta fugir a todas as situações que possam de algum modo colocá-lo desconforto. A diferença está na aquisição intensa do que lhe pode porpocionar prazer ou o confunda com algum tipo de felicidade

Graça Pires disse...

Esta mistura tão interessante da mitologia com os dias de hoje é um desafio à nossa imaginação. Gostei.

Arábica disse...

José Duarte,

já cá voltarei para te ler.

Com calma e tempo.

Nesta visita, digo-te apenas que te deixei uma pequena dose de desafio, no meu post de hoje.

Sem pressas, também :)

Até logo

mfc disse...

A actualidade dos clássicos nos processos de venda actuais...
Uma simbiose mais que perfeita.

Anónimo disse...

pois eu estou ansiosa por poder comprar um automóvel híbrido :)

beijinhos, duarte.

Arábica disse...

Jose Duarte

gostei realmente da construção -desde os primórdos até aos tempos actuais- com toda esta criatividade a que nos habituas.

Tolos são os que procuram o prazer imediato, pondo tantas vezes em causa a felicidade.

E o futuro.

Sem deuses :)

isabel mendes ferreira disse...

bom....nem acredito!!!!!

rolo sobre estas "rodas" em rodagem rodopiante...

um delírio de bem escrever desenroladamente!


o meu beijo. grato e enrolado de um sorriso bom.

lélé disse...

Esta tua publicação, como todas as tuas publicações, aliás, está deveras desconcertante e confesso que me sinto uma parola básica com uma generosa autorização especial para comentar...
A publicidade é fazer-nos pensar que precisamos de algo, de que, na realidade, não precisamos...
O hedonismo, nunca entendi muito bem, porque acho que todos buscamos conforto, bem estar e prazer e se os podemos ter, temos e é bom, mas o conceito de hedonismo parece-me frívolo...

Carla disse...

como um tema banal como o automóvel pode proporcionar um post tão magnífico como este...haja engenho e arte para o fazer e isso a ti não te falta
beijos

luis lourenço disse...

Uma excelente história do automóvel com muitos ingredientes à mistura que vai envlvendo...até o aspecto mitológico que acho muito curiosos...bem original a tua postagem.

abraços

véu de maya

pin gente disse...

todos os pontes de interesse!
gostei

abraço

Rui disse...

Que me lembrei do último do Eastwood, Gran Torino. Que lhe pisem o relvado, ele ainda é capaz de tolerar (uma vez), que lhe mexam no veículo...

Eu tenho um Trabant carregado de neve.

Pedro disse...

Gosto imenso desta tua maneira de organizar o poste! Torna-o apetecível de se ler!

vida de vidro disse...

Por muito apetitosa e bem baseada que seja a publicidade, quer-me parecer que não consegue impedir a queda das vendas dos carros. A crise está acima do hedonismo? Ah, pois está!
Como sempre, um excelente exercício de escrita. **

Anónimo disse...

belo post!



Abraços d´ASSIMETRIA DO PERFEITO

Alberto Oliveira disse...

Caro José:

O prazer de ler este belo texto, apenas foi interrompido por ter de me dirigir de imediato à bomba mais próxima, pois já tinha a gasosa nas lonas

vruuuuuuuuuuuuuuuuu.

Abraço.