segunda-feira, 30 de junho de 2008

Férias -- Que bom !



«Quanto mar, quanto mar!!!»


***


«(...) Ao ser arrastado pelo torvelinho da vida pública, pela fugacidade das paixões, o homem vulgar deixa-se conduzir pelos sentidos, pela aparência caleidoscópica das imagens que o ofuscam e deixa de ser senhor de si. Prosseguirá a sua vida agitada e frenética, desprovido do descernimento e da força de carácter (...)

É preciso parar e procurar o contacto com a natureza que nos cerca. Essa é a fonte de toda a vida e nela encontraremos a inspiração para uma vida serena e simples.

(...) Séneca (1) ensina-nos como o ócio, a genuína actividade do homem livre -- «Bonjour Paresse!» -- é a condição para a tranquilidade da alma e para uma vida honesta e boa.»


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In:


(1) «Sobre a tranquilidade da Alma e Sobre o Ócio»

Séneca

Vida, Pensamento e Obra


Colecção Grandes Pensadores
Público


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Ilustração:
Gentileza Google


sexta-feira, 27 de junho de 2008

"Provocaçãozinha..."


«Escrever é uma forma de falar sem ser interrompido.»


RENARD, Jules
(1864-1910)


**


In:

«Mal (O) de Montano»
Vila-Matas, Enrique

Ed. Teorema

*

(Ilustração: Gentileza Google)


segunda-feira, 23 de junho de 2008

Colagem



«A vista é a rainha dos sentidos: nem todos os corpos naturais podem ser tocados ou provados, nem todos emitem sons ou odores, mas todos são visíveis.» Fonte: «ABCedário dos Sentidos» Ed. Publico

«Olhar: a primeira incursão sobre a intimidade.»
(Ibidem)






«O olho é o espelho da alma» segundo o provérbio. Para Magritte, o olho humano hiperdimensionado, em vez de proporcionar uma visão do que está por dentro, na alma do homem, reflecte o que está por fora, um céu com nuvens. («O Espelho Falso» 1935)» Fonte: «MAGRITTE» Ed. Taschen







«O "Sexto Sentido" é o unificador das informações fornecidas pelos outros cinco (5 é o símbolo da harmonia e do equilíbrio, símbolo do homem que possui cinco extremidades: cabeça braços e pernas) («OS CINCO SENTIDOS» HANS MAKART Fonte: «ABCedário dos Sentidos» Ed. Público.







«Espelho: é entre os seis e os dezoito meses que a criança adquire o sentido da sua própria unidade corporal através da sua imagem no espelho. (Lacan)» Fonte: «Dicionário Larousse de Psicologia Ed. Círculo de Leitores)

«O Olhar do observador, quando olha para o espelho, não é devolvido. "O que conta precisamente é esse momento de pânico e não a explicação" Magritte («Reprodução Proibida (Retrato de Edward James, 1937)» Fonte: «MAGRITTE» Ed. Taschen

terça-feira, 17 de junho de 2008

«657»




«Habito na Possibilidade --

Uma Casa mais bela do que a Prosa --

Com mais Janelas --


E Portas -- maiores --



Salas como Cedros --


Que o olhar não alcança --


E como Tecto Imperecível


Os Limites do Céu --



Visitantes -- os mais belos --


Ocupação -- Esta --


Abrir ao máximo as minhas Mãos finas


Para colher o Paraíso -- »



In:

«POEMAS E CARTAS»
Emily Dickinson



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Antologia organizada por
Nuno Vieira de Almeida
Tradução de
Nuno Júdice

Ed. Cotovia
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Ilustração:
Gentileza Google

sexta-feira, 13 de junho de 2008

«Bubu-Dádá»




Aqui ao lado do nosso chapéu-de-sol encontra-se um jovem casal, o avô e, numa piscina insuflável, deitado de costas, um bebé confortavelmente instalado. Com a água pelo meio da fralda, cabeça apoiada na borda da piscina, o bebé ainda não diz «Bubu-Dádá!» mas vai soltando sons avulsos. Sente-se bem. Não ensaia o movimento de mãos ao alto, suplicando amparo, não "pedala em seco" insinuando cansaço de posição, absolutamente nada. Sentir-se-á confortável como se tivesse regressado à placenta. Porém, debater-se-á com dois problemas, antes de tornar lúdica a sua actividade física: os sons que capta são radicalmente diferentes do bater sincopado do coração da mãe e levará algum tempo a perceber que é do mar que vem o marulhar e a euforia dos circundantes; a premente necessidade de fazer chi-chi, constituirá uma sensação inédita.
A pele levemente enrugada constrangê-lo-á a sentir-se feliz?
Neste instante a mãe retira-o da piscina, beija-o e aconchega-o ao peito numa terna e partilhada comunhão. Não serão Eva e o seu primeiro filho mas, seguramente, há entre eles uma réplica do Paraíso.

Eu voltei à minha leitura.

Pouquíssimo tempo depois, um grupo de jovens, Hip Hopers assumidos, instalou-se atrás de nós. A fralda do bebé já havia sido substituída. Nem foi preciso uma canção de embalar. O bebé adormeceu de imediato.

«Tenta perceber a tua identidade
Procura no teu intimo a verdade
Não és apenas mais uma pessoa
Que aparece neste mundo à toa
Tenta encotrar as tuas raízes
Senão pode ser que algum dia as pises
Só assim perceberás quem tu és
No sangue que te corre da cabeça aos pés
Talvez daí tires uma lição
Sobre o que se passa neste mundo cão
Muitas vezes é preciso saber ouvir
Ir em frente quando apetece desistir

É mais forte o homem que sabe criar um filho
Do que aquele que apenas prime um gatilho
É mais fácil matar que ler um livro, verdade?
Mas a bala é a prisão, a educação é liberdade
(...)
(*)


Foi então que me surpreendi a encostar as mãos à face esquerda, como se fosse rezar e, a seguir, fazer sinal aos Hip Hopers para o bebé que adormecera. O movimento iô-iô da mão esquerda conjugado com o da direita a apontar para a criança foram suficientes para eles perceberem do que se tratava. Não baixaram o som, desligaram a música.

Tanta harmonia, tanta compreensão, tudo isto estava longe de constituir a réplica do presépio. Às doze horas de um dia soalheiro de Junho seria improvável. Por ali faltavam o burro e a vaca; nenhuma virgem responderia «Presente!». Por isso, pensei «Vou ali ao "Take Away", compro três ou quatro cilindros de sushi, refresco um branco e tomarei uma refeição que me garantirá um invejável letargo!»

Fui!
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(*)

«Educação é Liberdade»
Weasel

Imagem: Gentileza Google

terça-feira, 10 de junho de 2008

«UM BEIJO DADO MAIS TARDE»


«Numa história, há (ou não há) um momento de desvendamento a que se chama sublime. Normalmente breve. Como penso que um leitor treinado já conhece todos os enredos, quase só esse momento interessa à escrita.
Esse momento tornado longa sequência sustentadora da vibração explícita, é o nome da escrita. É a face escondida -- mas que me importa desvendar --, das técnicas narrativas tradicionais.»

In:
«UM BEIJO DADO MAIS TARDE»
Maria Gabriela Llansol

Ed. Rolim

sexta-feira, 6 de junho de 2008

«A»



Quando o «A» abandonou a palavra «_CORDO» aconteceram várias coisas:


Exultando, «A» integrou-se na palavra «ORTOGR_FiCO».
De tão satisfeito, rútilo ficou o «i».


A tentativa de aliciamento para que voltasse atrás fracassou. A partir dai desencadeou-se um processo imparável: a palavra evoluiu para «COR_DO», cindindo-se, a seguir, em «COR» e «DO».
Com novas associações recuperaria sentido?


Achando que perdiam prerrogativas, os «C», «R» e «D» cansados da sonolência dos «_O_ _O» abandonaram o «_CORDO», por razões óbvias.

O «C» declarou «Estou farto. Voltarei para o alfabeto!» «Para onde?» perguntou «R» acrescentando «Para as vogais, nem pensar. Não te aceitam. Para as consoantes, acho mal. Nunca se deve voltar para onde já se foi feliz!» Sobranceiro o «D» informou «Eu vou para a «Etimologia». Soube que a «Sintaxe» está a abarrotar e a aconselhar, quem puder esperar, a ir para a «Moratória». O «R» decidido «Eu vou para o «Scrabble». Mesmo que me obriguem a funcionar como «letra branca», não me importo. É a de maior versatilidade. O ambiente é fantástico. Aliás, diariamente, tratamos de questões de etimologia e de sintaxe. E é lúdico! Excitante, não é?! Pueril, o «C» perguntou «O que acham se eu for às consoantes, 'gamar' o traço ao «T», atravessá-lo a meio da minha curva e, disfarçado de «E», instalar-me nas vogais?
Não obteve resposta.

terça-feira, 3 de junho de 2008

SARA

«(...)
Só o pássaro vive para o voo.
Quando pousa é igual ao homem que se senta
Para pensar.
(...) (*)


Cheguei à Gare do Oriente com meia hora de antecedência. «Esperaste muito, João?» «Não. Nada! A CP a cumprir horários... É digno de registo!» Era visível o cansaço «Como correu a semana, Sara?» «Extenuante! Pensei poder repousar na viagem: puro engano! Um grupo de parvos tornou-se insuportável. Pareciam miúdos a viajar pela primeira vez. Incomodaram toda a gente.»

Cancelámos a saída de sábado à noite. Os amigos compreenderiam. Sem ânimo não vale a pena. Desligámos os telemóveis e desejámos ardentemente que ninguém nos batesse à porta.
O jantar desta noite estava combinado desde quarta. Não cedi. A Sara queria comer qualquer coisa e apenas isso. A carne e os frutos para o fondue estavam preparados. Acho a combinação excelente. Jantaríamos. Aliás, a Sara é apreciadora parcimoniosa de vinho. Eu ansiava para que aprovasse a escolha que fizera.





A Sara quando está excessivamente preocupada nunca vai directa ao assunto. Queixa-se, faz o balanço de tarefas, das coisas práticas como, por exemplo, se a Matilde passou cá por casa para manter a higiene e a limpeza; revê o correio que lhe foi endereçado e aguarda que eu lhe fale do meu e que eventualmente a envolva. «Estavas em casa quando a Matilde veio?» «Não. Fiquei na noite da tua partida. Nas seguintes fui para minha casa. O pó acumula-se, a casa precisa de arejar. Se queres saber, nem deixou qualquer nota a pedir o que quer que fosse.» «Se um dia lhe acontecer alguma coisa, nunca mais encontraremos pessoa como ela. Pede-lhe para também limpar a tua casa, João!» Contida. Eis o primeiro sinal de ansiedade.
Não conservei a minha casa por precaução.
Não.
A Sara pediu-me que, de inicio, vivessemos em casa dela.
Eu aceitei.
A relação tomaria rumo e, consolidada, um projecto de vida seria acalentado num outro espaço, com as devidas ambições, com escala, já apaziguadas as emoções iniciais.

Ter de ir trabalhar para Porto foi uma imposição profissional. Constrangedora. Abalou-nos imenso. A alternativa era o desemprego com uma indemnização ridícula.
Um amigo meu, a trabalhar na auditoria, queixava-se que nos dois/três meses que antecedem o fecho de contas trimestral das empresas cotadas em bolsa há sempre tanto que fazer e é tão absorvente que chegava a ser penoso o tempo diminuto que lhe restava para estar com a namorada. Ela não se resignava. A solução que encontraram foi a do casamento. Pelo menos à noite estariam juntos.

«Da imobiliária chegou alguma coisa?» Tinha chegado uma carta cautelosamente redigida. «Relata ter sido recebida a lista de alterações. Um contacto telefónico seria suficiente para marcação de uma reunião, para esclarecimentos e aprovação do orçamento.» «Achas que vai sobrecarregar o preço da casa?» «Não faço ideia, Sara. Podemos pedir-lhes a proposta e discuti-la com o Sérgio. Ele está no meio. Ajudar-nos-á. Estás disponível quando?»
De certeza que havia um problema. A Sara ainda não encontrara a maneira de expô-lo. A conversa ainda não lhe proporcionara a deixa.
«Achas que um ano é suficiente para resolvermos isto tudo?» «O quê, as alterações, o empréstimo...» Ansiosa «Sim!... A escritura, a ocupação da casa... Os juros deixarão de subir até lá? No teu emprego... Como é que as coisas vão?» Pousou o talher. Baixou a cara. Levou o guardanapo aos olhos e afundou-se. Estava prestes a explodir. Fiz-lhe uma festa na cara. Abracei-a. Suavemente, forcei-a a erguer queixo, a olhar para mim «O que se passa, Sara?» Chorava. Dali a convulsionar seria um instante. «Se não falares comigo, fá-lo-ás com quem? Vamos, o que se passa na tua empresa, contigo...» Revoltada «A empresa prepara-se para deslocalizar para a Polónia. Pediram voluntários para dar formação. Sabes o que isso significa? Ou te ofereces e vais e será uma sorte se te garantirem o teu posto de trabalho, mas lá, evidentemente; ou recusas e perdes tudo, no Porto, em Lisboa... No olho da rua! Estás a perceber o meu desespero: o nosso projecto está comprometido!»
Apenas me ocorreu acrescentar que a emigração é assunto sério. Exige preparação. Tenacidade. Remotamente, nunca afastara essa possibilidade. «Numa situação de emprego seguro, é fácil falar assim. Se fosses confrontado com alternativas improváveis ou remotas, reagirias como? Achas que eu, se for para o mercado, encontro trabalho. Então o que me resta: o fundo de desemprego, vivermos do teu ordenado ou a emigração. Ficas à minha espera, acompanhas-me, e se não houver trabalho para os dois?»

Um amigo de um colega conhece uma pessoa com cinquenta anos de idade e trinta de serviço que foi chamada aos recursos humanos da empresa para simulação de pré-reforma "Apenas uma simulaçãozinha!" No dia seguinte a leitura do cartão de assiduidade já estava desactivada e o acesso à área de trabalho não reconhecia o código.




São dez horas da manhã. Estamos na Portela. Já fizemos o check-in; o embarque não tarda. Varsóvia aguarda-nos. A duração da estadia é de um ano com duas revalidações possíveis. Com a globalização, o mundo é uma aldeia e nós nem sempre conhecemos os nossos vizinhos, costuma ser dito num dos programas da SICNotícias.

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«POESIA» Daniel Faria
Ed. QUASI

Ilustração: Gentileza Google