sexta-feira, 13 de junho de 2008

«Bubu-Dádá»




Aqui ao lado do nosso chapéu-de-sol encontra-se um jovem casal, o avô e, numa piscina insuflável, deitado de costas, um bebé confortavelmente instalado. Com a água pelo meio da fralda, cabeça apoiada na borda da piscina, o bebé ainda não diz «Bubu-Dádá!» mas vai soltando sons avulsos. Sente-se bem. Não ensaia o movimento de mãos ao alto, suplicando amparo, não "pedala em seco" insinuando cansaço de posição, absolutamente nada. Sentir-se-á confortável como se tivesse regressado à placenta. Porém, debater-se-á com dois problemas, antes de tornar lúdica a sua actividade física: os sons que capta são radicalmente diferentes do bater sincopado do coração da mãe e levará algum tempo a perceber que é do mar que vem o marulhar e a euforia dos circundantes; a premente necessidade de fazer chi-chi, constituirá uma sensação inédita.
A pele levemente enrugada constrangê-lo-á a sentir-se feliz?
Neste instante a mãe retira-o da piscina, beija-o e aconchega-o ao peito numa terna e partilhada comunhão. Não serão Eva e o seu primeiro filho mas, seguramente, há entre eles uma réplica do Paraíso.

Eu voltei à minha leitura.

Pouquíssimo tempo depois, um grupo de jovens, Hip Hopers assumidos, instalou-se atrás de nós. A fralda do bebé já havia sido substituída. Nem foi preciso uma canção de embalar. O bebé adormeceu de imediato.

«Tenta perceber a tua identidade
Procura no teu intimo a verdade
Não és apenas mais uma pessoa
Que aparece neste mundo à toa
Tenta encotrar as tuas raízes
Senão pode ser que algum dia as pises
Só assim perceberás quem tu és
No sangue que te corre da cabeça aos pés
Talvez daí tires uma lição
Sobre o que se passa neste mundo cão
Muitas vezes é preciso saber ouvir
Ir em frente quando apetece desistir

É mais forte o homem que sabe criar um filho
Do que aquele que apenas prime um gatilho
É mais fácil matar que ler um livro, verdade?
Mas a bala é a prisão, a educação é liberdade
(...)
(*)


Foi então que me surpreendi a encostar as mãos à face esquerda, como se fosse rezar e, a seguir, fazer sinal aos Hip Hopers para o bebé que adormecera. O movimento iô-iô da mão esquerda conjugado com o da direita a apontar para a criança foram suficientes para eles perceberem do que se tratava. Não baixaram o som, desligaram a música.

Tanta harmonia, tanta compreensão, tudo isto estava longe de constituir a réplica do presépio. Às doze horas de um dia soalheiro de Junho seria improvável. Por ali faltavam o burro e a vaca; nenhuma virgem responderia «Presente!». Por isso, pensei «Vou ali ao "Take Away", compro três ou quatro cilindros de sushi, refresco um branco e tomarei uma refeição que me garantirá um invejável letargo!»

Fui!
___________________
(*)

«Educação é Liberdade»
Weasel

Imagem: Gentileza Google

19 comentários:

OUTONO disse...

Não sei o que fazes, quem és...mas reporter de pormenor sem dúvida.
Escritor de momentos e factos, não restam interrogações.
Arquitecto de escritas envolventes e leituras correctas...assumido.

Só não gosto do sushi...se calhar tive azar da primeira vez que provei...

Justine disse...

Ainda há dias destes, harmoniosos e solidários.E a tua excelente descrição faz-nos erguer os olhos do chão(ou do livro)alargá-los ao horizonte e procurar dias assim.Às vezes basta saber olhar
Abraço :))

mdsol disse...

surprendente!
:))

Alberto Oliveira disse...

... ´tás em forma José! E até já foste à praia coisa a que ainda não me atrevi.
Mas olha que já faltou mais para em futuras épocas natalícias darmos um pulinho à Costa.
A harmonia e a compreensão acontecem, apesar de tudo(?!) e, em última instância, recriamo-la.

abração.

pin gente disse...

meu amigo... parece um princípio de tarde encomendado.
adorei(-te)uma vez mais.
o sushi está com um aspecto divinal e até estou com fome...

beijo
luísa

Rui Caetano disse...

Interessante.

segurademim disse...

... de facto o paraíso

o mar, o bébé ao colo, o cheiro de ambos...

muitíssimo sensorial

Lyra disse...

Simplesmente genial!

Beijinhos e até breve.

Marta disse...

olha que já se comia isso da imagem...meahhmmm.

Venho dar a conhecer o meu blog em:
http://www.marprofundo.net

luis lourenço disse...

O poder da espontaneidade quando se transforma numa lição tão partilhada da liberdade.

Destaque para a prosa poética.

Abraços

lélé disse...

Por alguns minutos, num pequeno espaço deste planeta, existiu um mundo perfeito e um excelente repórter de pormenor, como refere Outono (ali do comentário acima), que estava no local exacto e à hora certa.

sonjita disse...

kkaBem, é deliciosa a forma como descreves um momento terno mas simples... Realmente quando se tratam de crianças as pessoas adoptam uma postura diferente, de maior compreensão respeito.
Bjoka

Carla disse...

...pois adoro o teu olhar que capta O momento dos momentos...e eu até gosto de sushi (Nem sempre nem nunca é certo, mas gosto)
boa semana
beijos

Pedro disse...

Muitas sensações e harmonia, gostei da simplicidade!

Anónimo disse...

gostei muito do poema entrementes do texto :) um beijo, duarte.

A Respigadeira disse...

Concordo com as sábias palavras do Outono. Escreves maravilhosamente bem.

Beijinhos.

isabel mendes ferreira disse...

tudo perfeito. como análise...falta ouvir as palavras...da m+usica...que pode tardar mas está lá.



enorme mas enorme abraço.


gratíssimo.

Teresa Durães disse...

um excelente relato de um dia de verão

Nilson Barcelli disse...

Belíssima crónica, um apontamento do quotidiano bem difícil de ser observado.
Em qualquer caso, há muita gente com educação e respeito pelos outros. Eu continuo a pensar, porventura contra a corrente, que os jovens de hoje são piores e melhores que os de há 30 ou 40 anos, sendo que os melhores são em maior quantidade (relativa) do que dantes.

Abraço.