sábado, 7 de março de 2009

TANTO MAR


Gentileza Google


1.

São nove da manhã.
Acabei de me sentar na "Confeitaria do Monte", aqui na Guia.

Manhã soalheira.
Mar azul forte e calmo.
É de uma brincadeira que se trata se pensar que este mesmo mar é capaz de tremendas fúrias na Boca do Inferno e hoje, displicente, parece satisfeito lambendo, calmo e apaziguado, o rodapé da falésia.
O contraste entre o azul do mar e o cerúleo do céu, a linha do horizonte afinal, tão perfeita, tão exuberante, irrepreensível na sua definição, deveriam reconfortar-me.
Competia-me aproveitar tamanha placidez.
Mas não.
Dispor de todos este privilégios para nada, entristece-me.

O Raul pediu, e eu, tonta, ainda aceitei conceder-lhe a manhã para sair lá de casa.
«Quando voltar não quero ver cá em casa uma única coisa tua, ouviste? -- Uma sequer!»
«Só preciso de uma hora!»
«Dou-te duas!»

O batido de morango estava bom; o croissant com fiambre, nem por isso.

Comprei um diário, um semanário e uma revista, para nada.
Não consigo ler.


2.

A Isabel, a minha ex-mulher, enviou lá para casa um postal -- Quem é que ainda envia postais numa época destas! -- «Se afinal não te sentes feliz, a hipótese de reatarmos é viável. Beijos!»

Como é que uma armadilha tão rasca é tão eficaz?

A ideia de roturas incompletas ou de "um pé lá e outro cá" inquina qualquer relação.

A confiança quebrou-se.
Insanável.
Uma verdadeira atrocidade.
A Ana recusou ouvir-me.
Só me restava sair.
Demorei meia-hora.


***


Convidei-as para celebrarmos o meu aniversário.
Almoçaríamos, livres das desavenças antigas.
Aceitaram.

Quando o estafeta quis entregar as pizzas, a confusão no restaurante excedeu a tolerância dos empregados e das senhoras.
Uma em cada mesa, ignorando-se e espumando de raiva estiveram prestes a explodir.

Ausente, passeava-me pela cidade.

18 comentários:

pin gente disse...

eu aceitaria ficar a olhar tanto mar...

um abraço
luísa

mdsol disse...

Alguma perplexidade me invade perante a clareza das tuas palavras... plenas de sentido(s)!
Parabéns!

E olhar mar, n asegurança da terra costuma ser bom e útil!
:))

Teresa Durães disse...

não acredito em "re"'s. Reencontros, reconciliações...

Talvez seja demasiado implacável mas sei que cada vez que há uma separação, existiram motivos esquecidos que não foram ultrapassados. Ninguém muda

mfc disse...

Mais cedo ou mais tarde tudo volta a ser cobrado...

Graça Pires disse...

Também ficaria o máximo de tempo possível olhando o mar, até que ele entrasse todo nos meus olhos. Os reencontros são difíceis...
Um belo texto.
Beijos.

Justine disse...

Sobressai(-me)no teu excelente texto o aroma do desalento: manhã cintilante com mar amansado para nada, revistas e jornais para nada, desencontros de afectos.
Ficção ou realidade, é um retrato real dos tempos...

OUTONO disse...

JPD


E a continuação...

Vá lá amigo...agora estou suspenso de saber o final.

Abraço.

luis lourenço disse...

JPD,

A força do mar é incrível...e o teu relato é intenso.

Abraços

véu de maya

Anónimo disse...

gosto muito da forma como o duarte descreve as paisagens naturais e as humanas :) conhece bem a alma! um grande beijinho

Fá menor disse...

O mar às vezes é revolto...

Carla disse...

ausente...na maresia que me inunda
foi bem ler
beijos

Alberto Oliveira disse...

... Já não vou há uns tempos para essas bandas. Não que receie a fúria dos elementos. Não tem calhado.
Mas ler estes amores desencontrados com tal cenário por fundo, tem exactamente o mesmo efeito como se estivesse na Boca do Inferno: afago com os olhos a dureza das rochas e levo com uns borrifos de água salgada na cara. Em suma, revigoro-me...

... passando de largo pela explosão das senhoras.

Um abraço José.

vida de vidro disse...

Desencontros... ou (re)encontros a mais. Misturar "ex" com actuais ou mesmo "ex" com "ex" dá nesse desencanto. Bom voltar a ler-te. **

Fernanda disse...

A vida tem destas coisas...

O problema está é no "pé lá e outro cá"...

Há,... privilégios que em dada altura não servem para nada.

Gostei muito de ler

Uma boa semana

Arábica disse...

Bom dia José Duarte!

Compreendidas as voltas bem dadas ao texto, nem o mar nem as relações sobrevivem à divisão dos pés...

E se o mar sempre permite o regresso, já o mesmo, é quase sempre ímpossivel, nas relações...


Um beijo

vieira calado disse...

Batido de morango.... hum!....

Mas croisants...
prefiro ir prá praia em jejum!


Cumprimentos meus.

Rui disse...

- Atão e agora? - o som saiu abafado, não produzindo efeito. - ATÃO E AGORA? - gritou de dentro do capacete o rapaz das pizzas. Estava no meio da da sala restaurativa, empunhando duas embalagens individuais de pizza. - ESTA CENA NÃO ESTÁ A FICAR MAIS QUENTE...
Perante o olhar incomodado dos mastigantes, o chefe de sala pegou no rapaz pelo cotovelo, tentando levá-lo para um canto.
- ELÁ! EU NÃO SAIO DAQUI SEM ME PAGAREM ESTA CENA.
- Ninguém pediu essas pizzas, foi uma partida de mau gosto.
- E EU COM ISSO? QUERO QUE SE LIXE.
- Tenho uma ideia - disse o chefe de sala. Chamou depois um empregado de mesa e segredou-lhe instruções ao ouvido. - Dá-me as pizzas, tira o capacete e despe esse blusão. Confia em mim. Já jantaste?
Hesitou antes de o fazer, mas o rapaz acabou entregar as caixas.
- Vem, senta-te aqui - o chefe de sala afastou a cadeira, ajudando o rapaz a sentar-se. Um empregado de mesa aproximou-se com um prato de pizza fatiada.
- Oferta da casa. Bom apetite.

Lady disse...

Um mar gigante... potente!

Uma boa onda para os apreciadores de surf! ;)

Adiante... por vezes nem o mar nos chega para nos confortar...

Quanto ao "ir e voltar"... é tudo muito relativo e consoante os temperamentos e circunstâncias... ;)

Gostei...

Jinhos e bom fim de semana