quinta-feira, 13 de novembro de 2008

«Em Flagrante Delitro»

Nas máquinas do multibanco está a ser publicitado este vinho da Região Demarcada do Alentejo


Monte Do Enforcado

Viva com paixão!


Um vinho com este nome seria servido n'«O Banquete» de Platão?
Acalentaria «In Vino Veritas» de Kierkegaard?

Em «Reviver o Passado em Brideshead» Evelyn Waugh apresenta uma personagem aristocrática que, quando lhe é diagnosticada uma doença mortal, comenta para os seus botões: «Morrer, eu? Mas se sempre bebi do melhor clarete...!»

«Badenweiler, 2 de Julho de 1904
Ao assistirem aos derradeiros momentos de um colega, os médicos russos e alemães praticam o singular ritual de partilhar uma taça de champanhe com o doente. Não se conhecem as origens deste ritual, que se pode interpretar como um gesto de estoicismo profissional perante a morte ou uma extrema-unção laica. Seja qual for o seu significado, a verdade é que aplicado ao moribundo Anton Tchekov teve o mais inesperado dos resultados. Serviram-lhe o champanhe e, logo após ter bebido o que parecia ser a última gota, Anton caiu para lado, como morto, segundo quanto previsto. Depois, os colegas aproximaram-se para verificar o óbito e deram-se conta de que ele ainda estava vivo, ajeitando-o no cadeirão. Passados instantes, Tchekov abriu os olhos, pareceu não entender por que razão estavam sobre si debruçados três médicos e uma enfermeira com rostos inquisitivos, sorriu e pediu outra taça de champanhe, que prontamente lhe foi servida. O prof. Schworer, dr. Buhl e a enfermeira Fraulein Emilie ficaram suspensos a aguardar o efeito da segunda taça, mas nada aconteceu do que tinham antecipado, considerando o estado de extrema fragilidade a que a tuberculose reduzira o escritor. Antes pelo contrário, as cores voltaram-lhe ao rosto e ele começou a conversar serenamente com os colegas, encantando a enfermeira com a sua bem entoada voz de barítono, que retomara toda a sua vibração. Sentindo a garganta seca, pediu uma terceira taça de champanhe. Os médicos hesitaram, cedendo, por fim, e bebendo com ele, por se tratar da vontade de um homem condenado.
Condenado, sim, mas mais devagar, terá pensado Tchekov. Ele bem sabia que a medicina tinha as suas fraquezas e que desgraçadamente não só não era capaz de encontrar as curas certas, como era incapaz de explicar as curas para as quais não tinha contribuído. (...)»
Fonte: «Os Dias Contados» Jose Sasportes, Dom Quixote


Vou tomar um trago. Voltarei!

18 comentários:

mdsol disse...

Boa escolha... Gostei de ler!
:))

mundo azul disse...

Adorei!
Então, um bom champanhe pode até retardar a morte...

Beijos de luz!!!

Teresa Durães disse...

fantástica história! ainda não vi a publicidade ao vinho (ou não reparei?)

Carla disse...

brindemos então (mesmo não sendo eu apreciadora de vinho)
beijos e bom fim de semana

OUTONO disse...

O vinho é a mostra temporal de uma vida suspensa das condições climáticas...

Um bom vinho, é sempre equivalente a um bom momento...mesmo a sós.

À saúde...!

Nota: Talvez consigas (ainda..???) o livro de Cacilda Celso - Linha Marginal, na C. M. Cascais...Pelouro da Cultura...

Nilson Barcelli disse...

Um bom vinho é quase m medicamento... eheheh...
Não conhecia este, mas se o vir deito-lhe a mão para experimentar.
Abraço.

luis lourenço disse...

JPD!

in vino veritas...delicia-te e vem logo que possas...Bom retiro...

abraços

Pedro disse...

Conheço o livro... Vou querer ler mais!

Lady disse...

"Reviver o Passado em Brideshead" eu vi essa série fantástica!!!
Pois, por vezes existem males que vem por bem... e neste caso, está relatado e sublinhado de forma fantástica!

Jinhos

Vanda disse...

Jota,


...partiste levando F.Pessoa numa imaginária e amena cavaqueira contigo? :)


Espero que o trago, valha o perigo de enforcameno :)


Nada como um boa colheita...


Beijo, boa semana

Vanda disse...

errata: enforcamento :)

Graça Pires disse...

Um bom vinho é sempre um bom vinho.
E anda por aqui o aroma das vindimas...
Um abraço e um brinde!

Justine disse...

Uma extrema-unção destas também eu quero! Com Veuve-Clicqot, se possível:))

(eu diria que este é um post muito, muito litérário...)

mfc disse...

Sempre defendi que um (apenas um...) bom copo, faz milagres!

Micas disse...

Excelente. Adorei. Por certo irei lembrar-me sempre deste texto quando beber um bom vinho ;)

A Respigadeira disse...

Um bom vinho é, às vezes, o mote para uma boa recordação...

Belo texto! Como sempre.

Beijinhos

Alberto Oliveira disse...

Caro José:

Por norma, nas caixas multibanco, a minha atenção vai inteirinha para ver se acontece um milagre: que a minha conta tenha aumentado substancialmente sem que eu tenha feito algo para isso.
Porque o contrário é que é real: esfalfo-me a trabalhar e o saldo mingua...

... de tal modo que comprar uma garrafa de vinho da Região Demarcada do Alentejo, só quando o rei faz anos. Ora como estamos numa república...

abraço.

PS: Pobre Tchekov! Uma bagaceira Ponte de Amarante dava-lhe mais cinco anos de vida.

Nilson Barcelli disse...

Volta.
Estás perdoado... eheheh...
Abraço.