sábado, 8 de novembro de 2008

Happy Hours


Gentileza Google
1.
Quando pela primeira vez saímos, fomos à praia.
Novembro mal tinha começado.
A tarde esteve esplêndida, combinando frio e sol.
Céu imaculado.
O vento, mal excedendo uma brisa, amenizava.
Caminhámos longamente na praia.
Chegámos a aproximarmo-nos de grupos de gaivotas sem as sobressaltarmos.

2.
Numa tarde soalheira levámos a Matilde e o Mateus à praia.
Quiseram tomar banho.
Como?
Os surfistas vestem aqueles fatos para se protegerem. Não para tomar banho.
Como convencê-los?
Além disso, as pranchas tinham ficado em casa.
Porque não fazer uma construção na areia.
O que quisessem.

A maré enchia.
A estrela e a gaivota de areia rapidamente foram recuperadas pelo mar.

3.
Não percebo a aversão que os Planos Polis têm aos bancos.
Espalhar bancos na orla marítima é salutar.
Para evitar percalços vimos munidos das nossas cadeiras de praia.

Ainda não temos netos.

O Mateus telefonou para dizer que combinara com a Matilde virem celebrar o aniversário do pai.
Que tal almoçarmos no restaurante do Saragoça?
Este ano calhava-me uma cataplana. Achas que ele é capaz de prepará-la?
Claro que é!

4.
Sabe bem voltarmos a esta praia.
Adoro vir aqui.
Achas que eles gostaram da fotografia das construções na areia?
Acho, sim!
O Mateus mal reagiu.
É o que tu costumas fazer. Resguardou-se!
Quando me beijou, a Matilde quase chorava. Não me dig...
Emociona-se facilmente. Eu sei!
Lembras-te da aflição deles quando a onda veio e desfez as construções?
Como se tivesse acontecido há instantes!


«(...)
Definitiva como um mármore,
a tua ausência irá entristecer as tardes»
«Despedida»
Jorge Luis Borges
Obras Completas Tomo I


«A Senhora sente-se bem?»
Eu não deveria ter voltado a esta praia.
Atrevi-me.
Cuidei ser capaz de me aguentar.

«Posso ajudá-la?»
Agasalhei-me.
Comprei este pacote de castanhas assadas...
A tarde está tão luminosa como a da nossa primeira vinda aqui, a sós;
mais tarde, com os miúdos; no aniversário...
Agora estas lágrimas, porquê?
Poderia já ter viajado lá para baixo.
A esta hora já estaria em casa dos meus filhos.
Mas não, teimosa, resolvi vir...

«Insisto, a Senhora sente-se...»
«Sinto... Obrigado! Quer uma castanha?»


16 comentários:

Micas disse...

Gostei bastante do que aqui vi. Irei voltar com toda a certeza

Teresa Durães disse...

Gosto quando o mar leva a construção na areira. Leva consigo um pouco de mim

vida de vidro disse...

Memórias, memórias... Não nos largam e são, no fundo, uma parte enorme de nós. **

Graça Pires disse...

Novembro. As tardes serenas de outono. As memórias que vêm...
Um abraço.

luis lourenço disse...

tão terno e comovente!...J.Luís Borges[divino]...a imagem é tão luminosa! Exclente...JPD.

abraços

mfc disse...

Nunca se deve voltar onde se foi feliz.
É que pode dar-se o caso de o mar ter levado os nossos sonhos!

Vanda disse...

Gestos que a alma fotografou e a que nunca o tempo mudará a cor...

Na praia de Novembro, a areia aguarda novas mãos. Novos gestos.
Novas construçoes.


Que as ondas sempre roubarão.


Ou pés distraídos, às marcas alheias...

A Respigadeira disse...

Novembro e mar: uma dupla que deliciosamente se entrelaçam.

Beijinhos

Rui disse...

Era a maré a subir. Para os olhos dela.

mdsol disse...

Sempre bom (e útil) vir aqui

Alberto Oliveira disse...

... ah as construções na areia! que saudades de primeira e única vez em que participei com os meus seis aninhos de uma timidez do tamanho da légua da póvoa e com a família a apoiar-me aos berros "Leg!, Leg!, Leg!" e eu mais encarnado que um tomate.
Quando terminou o tempo, um dos elementos do júri, enquanto olhava interrogativamente para o buraco que eu tinha cavado na areia, perguntou-me "Então e que nome vamos dar à tua obra?" Baixei os olhos e respondi num fio de voz "Abrigo para uma criança que a imaginação não amparou."


abraço, José.

lélé disse...

E aqui está como o ser humano tem o condão de tornar as horas felizes em momentos de tristeza!... Fazer o contrário é que já é mais complicado!...
Lindíssimo texto.

Maria Clarinda disse...

Excelente....adorei esta partilha.

Graça Pires disse...

Obrigada pelo comentário tão "erudito" que me deixou. Aprende-se sempre com quem sabe.
Um abraço.

Carla disse...

perfeita leitura para um fim de dia...à beira mar
beijos

pin gente disse...

as construções na areia são para serem levadas pelo mar... aí reside parte do gozo de as fazer.
nas outras gostaríamos de manter os alicerces... (e)ternamente.

um beijo