sexta-feira, 28 de novembro de 2008

«AS MAIORES IDEIAS SÃO OS MAIORES ACONTECIMENTOS»


«Bacchus and Ariadne»
TICIANO



«O ensaio pessoal pertence a Montaigne, como o teatro pertence a Shakespeare, a epopeia a Homero e o romance para sempre a Cervantes. O facto de o primeiro dos ensaístas continuar a ser o melhor tem menos que ver com a sua originalidade formal (ainda que esta seja considerável) do que com a irresistível franqueza da sua sabedoria. Ele pergunta-nos implícita e incessantemente: terão algum valor os teus pensamentos se ficarem no teu íntimo? A sua resposta, que antecipa a de Nietzsche, é que não. Os pensamentos são acontecimentos. Os prazeres de Montaigne são para o leitor difíceis em última instância, mas imediatamente acessíveis, como os de Shakespeare. Pede-nos que sejamos um leitor forte, e a sua modéstia é uma máscara.
(...)»

(Pg. 111)


Fonte:
«Onde Está a Sabedoria?»

Harold Bloom
Ed. Relógio D'Água

sábado, 22 de novembro de 2008

RELÓGIOS

Sabe tão bem,
manhã cedo,
ao pequeno-almoço,
à hora certa,
uma madalena!

Não
«Em Busca Do Tempo Perdido»
Sequer
«O Tempo Reencontrado»



«Medir o tempo é estabelecer uma cronologia.»



«Tempo

A principal característica do tempo é a irreversibilidade:

- Provoca lamento dos poetas;
- Faz vibrar o aceno fúnebre do «nunca mais»;
- Dá às coisas que nunca veremos duas vezes essa extrema acuidade da volúpia e de dor onde o absoluto do ser e do nada parecem aproximar-se até confundir-se;
- Prova que uma vida vale de uma vez por todas.

As três dimensões do tempo são:
o passado, o presente e o futuro.

Nestas três instâncias há:

- Um presente relativo ao passado:
Memória;
- Um presente relativo ao presente: Percepção;
- Um presente relativo ao futuro: Expectativa.
(Vide. «Confissões»
Santo Agostinho Livro XI Pgs 297 a 315 da INCA)

Enquanto nós podemos agir sobre o espaço, através da rapidez incessantemente acrescida dos meios de transporte, não podemos agir sobre o tempo.

O espaço é o sinal do nosso poder;
O tempo é o sinal da nossa impotência.

A estrutura temporal da nossa experiência é tão constrangedora que o homem sempre sonhou libertar-se dela e o desejo de eternidade se exprime em quase todas as religiões e no comportamento do homem, que procura sobreviver a si próprio através das suas obras ou dos seus filhos.
»





Aproxima-se o Natal.
Porque razão, os promotores de relógios de marcas prestigiadas anunciam os seus modelos com os ponteiros das horas e dos minutos nas «Dez e dez» ou se quiserem, nas «Catorze menos dez»?


Enquanto não descobrir, optarei pelo "Tempo Dali"



Fonte:
- Revistas da semana
- Dicionário Temátio Larousse «Filosofia» Entrada «Tempo» Ed. Circulo de Leitores
- «Confissões» Santo Agostinho Ed. INCM
- «Em Busca Do Tempo Perdido» Marcel Proust Ed. Relógio de Água
Ilustração: Gentileza Google

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Engripado...


Gentileza Google

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

«Em Flagrante Delitro»

Nas máquinas do multibanco está a ser publicitado este vinho da Região Demarcada do Alentejo


Monte Do Enforcado

Viva com paixão!


Um vinho com este nome seria servido n'«O Banquete» de Platão?
Acalentaria «In Vino Veritas» de Kierkegaard?

Em «Reviver o Passado em Brideshead» Evelyn Waugh apresenta uma personagem aristocrática que, quando lhe é diagnosticada uma doença mortal, comenta para os seus botões: «Morrer, eu? Mas se sempre bebi do melhor clarete...!»

«Badenweiler, 2 de Julho de 1904
Ao assistirem aos derradeiros momentos de um colega, os médicos russos e alemães praticam o singular ritual de partilhar uma taça de champanhe com o doente. Não se conhecem as origens deste ritual, que se pode interpretar como um gesto de estoicismo profissional perante a morte ou uma extrema-unção laica. Seja qual for o seu significado, a verdade é que aplicado ao moribundo Anton Tchekov teve o mais inesperado dos resultados. Serviram-lhe o champanhe e, logo após ter bebido o que parecia ser a última gota, Anton caiu para lado, como morto, segundo quanto previsto. Depois, os colegas aproximaram-se para verificar o óbito e deram-se conta de que ele ainda estava vivo, ajeitando-o no cadeirão. Passados instantes, Tchekov abriu os olhos, pareceu não entender por que razão estavam sobre si debruçados três médicos e uma enfermeira com rostos inquisitivos, sorriu e pediu outra taça de champanhe, que prontamente lhe foi servida. O prof. Schworer, dr. Buhl e a enfermeira Fraulein Emilie ficaram suspensos a aguardar o efeito da segunda taça, mas nada aconteceu do que tinham antecipado, considerando o estado de extrema fragilidade a que a tuberculose reduzira o escritor. Antes pelo contrário, as cores voltaram-lhe ao rosto e ele começou a conversar serenamente com os colegas, encantando a enfermeira com a sua bem entoada voz de barítono, que retomara toda a sua vibração. Sentindo a garganta seca, pediu uma terceira taça de champanhe. Os médicos hesitaram, cedendo, por fim, e bebendo com ele, por se tratar da vontade de um homem condenado.
Condenado, sim, mas mais devagar, terá pensado Tchekov. Ele bem sabia que a medicina tinha as suas fraquezas e que desgraçadamente não só não era capaz de encontrar as curas certas, como era incapaz de explicar as curas para as quais não tinha contribuído. (...)»
Fonte: «Os Dias Contados» Jose Sasportes, Dom Quixote


Vou tomar um trago. Voltarei!

sábado, 8 de novembro de 2008

Happy Hours


Gentileza Google
1.
Quando pela primeira vez saímos, fomos à praia.
Novembro mal tinha começado.
A tarde esteve esplêndida, combinando frio e sol.
Céu imaculado.
O vento, mal excedendo uma brisa, amenizava.
Caminhámos longamente na praia.
Chegámos a aproximarmo-nos de grupos de gaivotas sem as sobressaltarmos.

2.
Numa tarde soalheira levámos a Matilde e o Mateus à praia.
Quiseram tomar banho.
Como?
Os surfistas vestem aqueles fatos para se protegerem. Não para tomar banho.
Como convencê-los?
Além disso, as pranchas tinham ficado em casa.
Porque não fazer uma construção na areia.
O que quisessem.

A maré enchia.
A estrela e a gaivota de areia rapidamente foram recuperadas pelo mar.

3.
Não percebo a aversão que os Planos Polis têm aos bancos.
Espalhar bancos na orla marítima é salutar.
Para evitar percalços vimos munidos das nossas cadeiras de praia.

Ainda não temos netos.

O Mateus telefonou para dizer que combinara com a Matilde virem celebrar o aniversário do pai.
Que tal almoçarmos no restaurante do Saragoça?
Este ano calhava-me uma cataplana. Achas que ele é capaz de prepará-la?
Claro que é!

4.
Sabe bem voltarmos a esta praia.
Adoro vir aqui.
Achas que eles gostaram da fotografia das construções na areia?
Acho, sim!
O Mateus mal reagiu.
É o que tu costumas fazer. Resguardou-se!
Quando me beijou, a Matilde quase chorava. Não me dig...
Emociona-se facilmente. Eu sei!
Lembras-te da aflição deles quando a onda veio e desfez as construções?
Como se tivesse acontecido há instantes!


«(...)
Definitiva como um mármore,
a tua ausência irá entristecer as tardes»
«Despedida»
Jorge Luis Borges
Obras Completas Tomo I


«A Senhora sente-se bem?»
Eu não deveria ter voltado a esta praia.
Atrevi-me.
Cuidei ser capaz de me aguentar.

«Posso ajudá-la?»
Agasalhei-me.
Comprei este pacote de castanhas assadas...
A tarde está tão luminosa como a da nossa primeira vinda aqui, a sós;
mais tarde, com os miúdos; no aniversário...
Agora estas lágrimas, porquê?
Poderia já ter viajado lá para baixo.
A esta hora já estaria em casa dos meus filhos.
Mas não, teimosa, resolvi vir...

«Insisto, a Senhora sente-se...»
«Sinto... Obrigado! Quer uma castanha?»


quarta-feira, 5 de novembro de 2008

A MÃO E O GESTO

Gentileza Google

Duas mãos enluvadas mimando um praticante de basketball ensaiavam sucessivos lançamentos.
Determinadas, executavam a curta, a média e a longa distâncias.
Quando os batimentos de bola baixavam a meio da coxa era o drible que singrava.

Três pares de mãos enluvadas, ignorando o par do basketball, estenderam uma rede a meio do ring.
Eram os adeptos de bagmington.
Dois pares adversários colocaram-se em campo para disputarem uma partida sob arbitragem do terceiro par, lá no alto, provavelmente no último degrau de um escadote.

No ring há um par de mãos pendidas, em repouso. São as mãos do praticante de basketball. Estão extenuadas ou sem coragem para desafiarem as praticantes de bagmington.
Enquanto cada par de luvas, no respectivo rectângulo de jogo, se excede para suplantar o par adversário, do alto do suposto escadote, o outro par executa uma curiosa coreografia -- quais catetos de um triângulo rectângulo elevando ao quadrado o esforço para encontrar, numa busca quase desesperada, o quadrado da hipotenusa, -- para assinalar pontos ou, interrompendo o jogo, marcar faltas.
Agora reparo, as mãos de basketball estão erguidas. Presumirei bem se pensar que colocando a toalha a volta da cabeça melhor repousarão, desejando ardentemente que, na próxima vez, os amigos que prometeram aparecer não faltem? -- Talvez!

A seguir, as mãos enluvadas baixaram e, antes de repousarem nas coxas, uma delas parece ter sido descalçada.
Todos reparam no gesto.
O jogo de bagdmington parou.
O desenho da hipotenusa ter-se-á gorado malogrando o esforço dos catetos.
Uma luva mimando um toque no ombro «Vai uma partida de bagmington, amigo?» antecedeu outra luva apontando o indicador aqui e acolá para designar a constituição de pares.
Era isso mesmo que estava a acontecer.
A terceira luva desenhava a rotação de um cilindro imaginário para estabelecer que a constituição dos pares seria rotativa.

No final da segunda partida, a luva de basketball disparou um volei sem resposta. Com o ponto garantido o par venceria a partida. Ninguém duvidava. Porém, a trajectória do volante foi alterada pelo embate de um dióspiro.
Um papagaio, desafiado pela irresistível suculência do fruto, apanhou-o e desapareceu.

Um jovem mimo acabara de encher a boca com um quarto-de-lua de dióspiro. Atrevido, o papagaio roubou-lhe o outro quarto. Não se resignando, o jovem tentou alvejá-lo com a restante metade do fruto.

Deve o jovem alterar o seu desígnio e abandonar a colectividade de Mimos?